Ecologia e racialidade são discutidas em exposição no Centro do Rio

Que o Centro do Rio guarda diversos segredos, muitos dos quais remontam à própria formação do nosso país, muitos sabem; o que poucos imaginam, contudo, é que o território é um local fervilhante de discussões no campo da arte contemporânea. Para além do circuito tradicional, que perpassa o Centro Cultural Banco do Brasil, o Paço Imperial e o Centro Cultural dos Correios, as vielas da cidade têm sido ocupadas gradativamente por espaços independentes que se valem de antigos galpões e lojas desativadas. Ocupando uma antiga fábrica da empresa de Cosméticos Granado há cerca de um ano, a instituição autônoma Solar dos Abacaxis é um dos autores da nova história do Centro do Rio, acreditando na potência da arte como ferramenta agenciadora de ações artísticas, educativas e sociais. Foi neste movimento que se inaugurou no último sábado (10) a exposição “Por uma Outra Ecologia: o que a Matéria sabe sobre nós”.
Interessados nas interações entre os saberes vegetais, animais e humanos, os curadores Matheus Morani e Thiago de Paula Souza propõe um encontro entre reinos mediado pelo objeto artístico. Os artistas Arjuna Neuman, Davi Pontes, Denise Ferreira da Silva, Juliana dos Santos, Julien Creuzet, Negalê Jones, Rose Afefê e Stephane Kabila ocupam o térreo e o primeiro andar com obras produzidas através de um contato íntimo com a terra e outros materiais orgânicos, reverberando investigações poéticas que convidam a sensorialidades múltiplas. Parecem interrogar a ideia da superioridade humana frente a outras formas de inteligência — afinal, como não se vislumbrar com os meios de decomposição orgânico, as simbioses entre plantas e fungos, a comunicação do reino das plantas, ou mesmo a imensidão da terra e das pedras que conservam a memória do planeta?
Aliás, é justamente sobre isso que versa um dos melhores trabalhos da exposição: o vídeo de Denise e Arjuana, Ancestral Clouds, Ancestral Claims (em tradução livre, Nuvens ancestrais, Reinvindicações ancestrais), filme de 2023 gravado no Deserto do Atacama, onde desenhos pré-históricos em pedra sobrevivem próximos aos campos de trabalho dos tempos coloniais, posteriormente reativados durante a ditadura de Pinochet ?para inquirir oponentes do regime. Apresentado na coletiva em sua configuração original – rodeado por cortinas translúcidas laranjas circulares que resguardam dentro de si a exibição bem como uma máquina de fumaça –, o trabalho alarga gradativamente a discussão em tempo e espaço, viajando desde o deserto do Saara até a Amazônia.
É na potência das reivindicações e intervenções que a exposição adquire relevância. Optando por um uso mais fluído e poroso do espaço, os curadores contam com uma extensa programação, envolvendo performances, leituras coletivas de obras do geólogo Milton Santos e Octavia Butler, oficinas educativas, exibições de filmes, cursos e conversas ao longo do período expositivo. O destaque vai para o ciclo de debates do dia 23 de agosto, que se inicia às 15h e contará com a presença da filósofa Denise Ferreira da Silva, atualmente professora da New York University (Estados Unidos), de Castiel Vitorino Brasileiro, integrante da última edição da Bienal de São Paulo, além de outros nomes. É também uma oportunidade ímpar de ver uma peça de Julien Creuzet, artista que este ano apresentou uma grande individual no pavilhão francês durante a Bienal de Veneza; e de se maravilhar com peças recentes da jovem paulistana Juliana dos Santos, dispostas elegantemente na entrada do centro cultural, flutuando acima dos visitantes.
Também agitam a cidade outros projetos culturais, selecionados no ano passado pelo Programa Reviver Cultural, iniciativa que visa a ocupação de espaços ociosos na região ao lado direito da Candelária. Fundada pelo artista pernambucano Bruno Alheiros, a Arrecife Galeria, instalada na Rua do Rosário 61, tem como foco o desenvolvimento de artistas, principalmente os do nordeste brasileiro, no circuito sudestino. É sua vizinha a Galeria Refresco, que ocupa o belíssimo térreo da Rua do Rosário 26. Conduzido por Daniela Avellar, Deborah Zapata e Renato Canivello, o projeto conta com um calendário de exposições de arte, ativações sonoras e conversas educativas, funcionando também como um espaço comercial.
Se as notícias animam o horizonte artístico carioca, visivelmente enfraquecido após a pandemia e com o fechamento de diversas instituições culturais, como as finadas Galeria Aymoré, Capacete e Oásis, é importante salientar a necessidade de uma reflexão cuidadosa acerca de escolhas de programação e decisões curatoriais. O centro do Rio impressiona tanto por sua beleza como também por sua história. A localidade é berço de diversos quilombos, espaços de memória da diáspora africana como o Cais do Valongo e foi o cenário de importantes momentos da história do Rio, como a Revolta da Vacina e a Reforma Urbanística de Pereira Passos. Neste sentido, é de vital importância um movimento de choque dos ares de transformação e memória, em detrimento de um soterramento violento do que nos forma. Tomando de empréstimo o título da nova mostra do Solar dos Abacaxis, a matéria sabe muito sobre nós. Ela está aqui, debaixo dos nossos pés.
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Vale a pena conferir a individual de Leda Catunda, “Paisagem Selvagem”, inaugurada também neste sábado (10) na Carpintaria, da Fortes D’Aloia & Gabriel. A célebre artista da geração 80 abre a mostra dez anos após a sua última individual no Rio com trabalhos inéditos. Em uma miscelânea de elementos têxteis, os recortes são dispostos em formatos de línguas, barrigas e abas sobre grandes superfícies.
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Últimas semanas para visitar a exposição “Casa–Tempo: Assentamentos”, de Thiago Modesto, no Centro Cultural Correios. A mostra apresenta os últimos anos de trabalho do artista em Xilogravura, que impressiona por sua técnica e composição visual.

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